domingo, 18 de maio de 2008

A traição (conto)


A taça de vinho na mão de Vallerius repousava sem que seu conteúdo fosse ingerido. Era um hábito mortal que ele tinha mantido, sempre observava a noite com uma bebida na mão. Do outro lado da janela, parcialmente coberta por uma cortina grossa de veludo, a chuva assolava o vidro incessantemente.
_ Olá, Vallerius.
Disse subitamente uma voz que vinha de um canto mal iluminado ao lado da estante de livros.
_Olá, Leonardo.
Saudou Vallerius sem nenhuma surpresa na voz, já que havia notado a presença do outro vampiro há muito tempo.
Um relâmpago riscou a noite do lado de fora e iluminou o rosto dos imortais. O intruso agora saía de onde estava e se posicionava no centro da sala ao lado do divã.
_Ela morreu. Miranda._ Revelou Leonardo fitando o outro.
_Eu já sei, eu senti. Ela é uma de minhas crias, esqueceu?
_Pensei que quisesse conversar.
_Por que pensou isso?
_Não sei...
Os dois ficaram em silêncio por muito tempo ouvindo só o barulho da chuva. Então Vallerius retomou a conversa.
_Sabe, ela foi a primeira que eu abracei e era a última que restava dos meus filhos.
_Eu sinto muito.
_Não, não sente.
_Bom, se pudesse sentir sentiria.
_Obrigado.
_Quando a abraçou?
_Há muitos séculos. Não menos que três. Ainda lembro bem. Ela estava numa festa de casamento e eu procurava uma presa. Seu rosto iluminado pelo fogo chamou-me a atenção. Ela foi a primeira vítima que falou comigo na hora em que ataquei. Todas as outras gritavam ou choravam ou até ficavam em silêncio enquanto eu sugava-lhes a vida, mas ela não. Ela pediu-me para parar e depois me convenceu a torna-la imortal. Você não acreditaria na lábia que Miranda tinha.
_Ela era uma mulher incrível mesmo.
_Não pretendo abraçar mais ninguém. Agora que todas as minhas crias se foram eu viverei sozinho para o resto da eternidade.
_É claro que não viverá. Eu sempre estarei ao seu lado quando precisar.
_Obrigado meu velho amigo.
Vallerius pousou sua taça sobre uma pequena mesa que se encontrava próxima. Com uma rapidez sobre-humana foi até o outro lado do aposento e pegou um velho violino que estava apoiado numa cadeira ricamente trabalhada. Mais uma vez, demonstrando seus poderes, ele se posicionou no centro da sala de frente para Leonardo e com o violino no ombro. Para olhos não treinados parecia que o vampiro tinha se teletranspotado de tão grande que era a velocidade de seus movimentos. Ele fixou o olhar em Leonardo e começou a tocar uma melodia muito triste que rapidamente se transformou em notas furiosas sobre as cordas. Enquanto tocava ele disse:
_Esse instrumento é uma relíquia, foi um dos primeiros que foram fabricados o que me torna um dos primeiros violinistas da história. É uma pena que ninguém saiba. Todos esses ornamentos na madeira foram acrescentados por mim.
_É realmente magnífico.
_Sabe, eu já sabia que Miranda não estava mais entre nós, afinal ela é minha cria,mas você não me disse quando descobriu.
Ao ouvir essas palavras Leonardo, que estava hipnotizado pela canção, despertou de repente e olhou assustado para Vallerius. Toda a ação que se sucedeu não durou mais de um segundo, o que era muito tempo para aqueles poderosos anciões. Ambos exibiram suas presas, mas, Leonardo mal teve tempo de reagir; Vallerius partiu o violino em dois sem nenhum remorso e utilizou o braço de madeira como estaca cravando-o no coração do outro vampiro e selando sua imortalidade para sempre.
_Eu tinha certeza que era você quem estava eliminando meus filhos seu Judas. O que pensou? Que isso me aproximaria de você? Eu te condeno por ter matado seus iguais. Que Lúcifer não tenha piedade da sua alma.
Vallerius pronunciou essas palavras com verdadeiro ódio e quando terminou de falar cuspiu sangue no rosto do outro, que já se consumia pelo fogo que antecedia o seu destino dali pra frente. O vampiro vitorioso sorriu mostrando seus caninos desenvolvidos, sua vingança estava feita.

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